(Por Isaac Loureiro*)
O
Carimbó no tempo dos antigos...
“Tem
gente que diz que faz uns 100 anos e eu digo que tem mais, porque quando minha
vó nasceu o carimbó já existia. E então ele tem mais de 200 anos. A minha vó
morreu com 86 anos. Veja lá, eu já tô com 70 anos. Não tem mais de 200?”
(Depoimento
de Mestre Celé, da Irmandade de Carimbó de S. Benedito, Santarém
Novo)
O
Carimbó é a música e a dança tradicional paraense por excelência, cuja
manifestação ocorre há mais de dois séculos em quase todas as regiões do Estado.
Junção caprichosa do pé batido indígena com o rebolado africano, preservado nas
comunidades pela oralidade dos mestres populares, em sua maioria pescadores e
lavradores, o Carimbó é um gênero que sintetiza a capacidade criativa, a força e
a beleza do povo da Amazônia. Afirmamos mesmo que o Carimbó é parte essencial da
alma paraense e amazônida, um componente fundamental da identidade cultural
brasileira.
Suas
raízes, segundo historiadores e cronistas, estão ligadas à cultura indígena e negra da Amazônia
desde o século 18. O mais antigo registro escrito sobre o Carimbó foi feito pelo
jesuíta Frei João Daniel, em 1767, onde ele descrevia a música e dança
executadas pelos índios Tupinambás
com um tambor feito de tronco de árvore escavado recoberto com pele de animal
(por isso o nome curi - m’bó ou madeira ôca) que era tocado deitado no
chão com o batedor sentado em cima e usando as mãos como se fossem as baquetas,
forma tradicional que permanece até hoje. Com o tempo
o nome do tambor acabou virando o nome do ritmo e da dança. Hoje em muitas
comunidades ainda se chama esse tambor de curimbó, seu nome
original.
Outra denominação antiga era “zimba”, palavra de origem africana
que significa “festa”, usada até hoje em muitos lugares da
região do Salgado.
Na década de 30 o
poeta e folclorista Bruno de Menezes identificava três vertentes do ritmo,
presentes em áreas distintas: carimbó pastoril (Marajó); carimbó rural ou agrícola (Baixo Amazonas: Santarém,
Óbidos e Alenquer); e carimbó praieiro, da zona atlântica
do Pará (Salgado).
Tradição, ancestralidade, memória e identidade
que atravessou os séculos unicamente pelo esforço e cuidado de nossos mestres e
mestras, responsáveis por sua transmissão para as novas gerações,
o Carimbó é cultura viva do povo da Amazônia que resiste ao tempo e ao
preconceito. Por isso é Patrimônio Cultural Brasileiro, com certeza!
Como nasceu a Campanha “Carimbó Patrimônio Cultural Brasileiro”
“O Carimbó não morreu, está de volta outra vez,
O
Carimbó nunca morre, quem canta o Carimbó sou eu...”
(trecho
de música composta por Mestre Verequete, em Belém)
Foi
na pequena cidade de Santarém Novo, na antiga região do Salgado, que nasceu a
idéia de registrar o Carimbó como Patrimônio Imaterial do Brasil. Isso aconteceu
em dezembro de 2005 a partir do diálogo estabelecido entre a Irmandade de Carimbó de São Benedito,
centenária organização cultural da comunidade, e o IPHAN (Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional), durante o 4º FEST RIMBÓ – Festival de Carimbó de
Santarém Novo, evento que desde 2002 vinha promovendo a valorização do
Carimbó na região do nordeste paraense.
Foi
nesse espaço que o IPHAN apresentou à Irmandade e aos grupos presentes o Programa Nacional de Patrimônio
Imaterial, falando sobre o processo de registro e abrindo assim a
possibilidade de tornar o Carimbó patrimônio imaterial da cultura brasileira, a
exemplo do Samba de Roda da Bahia e do Jongo do Sudeste. Assumindo essa
proposta, a Irmandade os grupos de carimbó reunidos dão início à mobilização
para viabilizar esse registro, o que levou à organização da Campanha “Carimbó Patrimônio Cultural
Brasileiro” nesse mesmo festival em dezembro de 2006, e à formalização do
pedido de registro junto ao IPHAN em fevereiro de 2008.
O
pedido oficial de registro foi articulado pela Irmandade de Carimbó de São Benedito de
Santarém Novo e subscrito também pelas associações culturais Raízes da Terra, Japiim e Uirapuru,
estas três do município de Marapanim. Em janeiro de
2009, após a aprovação desse pedido, o IPHAN Regional (PA/AP) deu início ao Inventário de Referências Culturais do
Carimbó, uma ampla pesquisa que irá levantar todas as informações
necessárias ao registro como patrimônio imaterial. O inventário está sendo feito
em várias regiões do Pará onde o Carimbó existe como referência cultural
profunda e verdadeira, envolvendo dezenas de municípios.
Enquanto
a pesquisa acontece, a Campanha segue realizando diversas atividades como
seminários, oficinas, encontros de mestres, festivais e mostras regionais de
carimbó, caminhadas e cortejos culturais, rodas de Carimbó e outras ações em
todo o território nacional, buscando mobilizar a sociedade e tecer alianças com
comunidades tradicionais, movimentos culturais, instituições públicas, ong’s e
todos que reconhecem a importância da cultura de nosso
povo.
Por
que organizar uma campanha pelo registro do Carimbó?
“Vamos levar nossa cultura, mostrar para o mundo inteiro
Carimbó
é paraense, patrimônio brasileiro...”
(trecho
de música composta por Mestre Rildo, da Vila de Araquaim,
Curuçá)
A
Campanha “Carimbó Patrimônio Cultural Brasileiro” é uma iniciativa que
busca sensibilizar e mobilizar a sociedade em torno da valorização e do
reconhecimento do Carimbó e de suas tradições como parte
importante da cultura de nosso país.
Para
nós, o registro do Carimbó como bem cultural de natureza imaterial significa um
importante passo para garantir sua preservação e seu reconhecimento como
patrimônio de nossa cultura, elemento essencial e definidor de nossa identidade.
O registro se faz necessário diante do acelerado processo de desagregação social
e homogeneização cultural que atinge a região amazônica, onde as culturas
nativas e tradicionais vem sendo velozmente atropeladas pelos produtos culturais
da modernidade capitalista, o que ameaça a diversidade e as identidades próprias
dos povos desta região.
Registrar
o Carimbó é um processo que exige uma ampla mobilização da sociedade, das
instituições públicas e dos atores sociais que estão diretamente envolvidos na
manutenção desta manifestação. Por ser um bem cultural presente em diversas
localidades, em diferentes contextos, com múltiplos significados, acreditamos
que toda essa diversidade deve também estar representada no acompanhamento desse
processo, participando efetivamente das discussões, contribuindo no trabalho de
pesquisa do inventário, articulando alianças e elaborando propostas em sintonia
com as necessidades dos grupos e comunidades carimbozeiras.
Nesse
sentido, a organização da Campanha “Carimbó Patrimônio Cultural
Brasileiro” vem cumprir o objetivo de integrar os segmentos sociais e
culturais ligados ao Carimbó, proporcionando a todos um espaço de cooperação,
reflexão e ação coletiva em prol do reconhecimento e valorização dessa tradição
cultural popular.
Hoje
a campanha é coordenada pela Irmandade
de Carimbó de São Benedito e envolve diversos grupos, entidades e movimentos
culturais de vários municípios paraenses, contando com o apoio do Ministério da
Cultura, IPHAN, do Governo do Estado através da SECULT, SEDUC, Fundação Curro
Velho, IAP, do SESC-PA e outras instituições. A Campanha também mantém alianças
com a Ação Griô Nacional e a Rede de Culturas Populares.
Como fazer para participar da Campanha?
“Se eu soubesse que tu vinha, eu fazia o dia maior
Dava
um nó na fita verde pra prender o raio de sol... ”
(trecho
de música composta por Mestre Lucindo, de Marapanim)
Além disso, a coordenação da
Campanha promove encontros periódicos na Capital, reunindo representantes das
Comissões Municipais, parceiros e simpatizantes interessados em contribuir com
nosso movimento, sendo abertos à participação de novos aliados.
Outra forma de participar é
promovendo algum tipo de atividade cultural, lúdica, educativa, relacionado ao
carimbó em seu bairro, comunidade, escola, etc. É só entrar em contato com nossa
coordenação para saber mais a respeito da Campanha e propor parcerias. A difusão
de informações sobre o carimbó e as ações da campanha via internet e outros
meios de comunicação é outra boa forma de participar. No Pará e em outros
estados brasileiros já temos o apoio de diversos sites, redes, revistas, jornais
e rádios, entre outros veículos de informação, organizados por grupos e pessoas
aliadas de nossa causa.
Para
facilitar a comunicação, a Campanha mantém na internet um blog com as notícias
de suas diversas atividades, além de lista de emails, comunidade no Orkut, canal
no You Tube e outras ferramentas virtuais. Nas comunidades existem iniciativas
de criação de programas em rádios comunitárias, informativos impressos, pinturas
murais entre outras experiências.
Todo
o trabalho da Campanha é feito de forma voluntária e
auto-organizada.
Para saber mais, entre em contato conosco:
(* Isaac Loureiro é ativista cultural e coordenador da Campanha Carimbó Patrimônio Cultural Brasileiro)
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